domingo, 23 de setembro de 2007

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quinta-feira, 23 de agosto de 2007

8

Visto o corpo com o cheiro desta manhã. O trânsito entope-se numa avenida longe daqui. Guardo as olheiras de uma noite com sonhos, uns atrás dos outros. Pessoas conhecidas, desconhecidas. Conversas incompletas. Abro os olhos e sinto o fumo do cigarro a invadir-me as narinas. Faço má cara e jogo-o fora.

Dias iguais a outros de um ano qualquer. Coração mais experiente, corpo mais usado. Boca continua a mesma, talvez menos vermelha e não tão dada aos ímpetos mais apetecidos.

Este dia poderia ser igual a outro é verdade. Mas não o é. Marca um novo começo, um novo viver, com o amor dentro de um casaco gasto de Inverno.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

7

Estás num quarto e eu noutro. Estás deitado na cama e eu sentada no chão. Bebes chá de sabores indefiníveis e eu vinho que me deixou os lábios negros. Brincas com o isqueiro e eu com um objecto anti-stress.
Há duas horas atrás fiz-te vir na minha boca enquanto me agarravas com força o cabelo. Há uma hora atrás vim-me eu na tua boca enquanto arranhava compulsivamente os lençóis. Há meia hora atrás fumamos erva e ficámos encostados à parede suja. E ainda me lembro que fugiste para o quarto e passado breves instantes segui eu para este. É assim que continuaremos até resolveres falar comigo.

Bates à porta. Entras, deitas a cabeça no meu sexo e fechas os olhos.

- Eu não consigo
- Eu sei
- E agora?
-...











Porque por mais que pensemos que é o amor que nos pode salvar, estamos errados. O amor só vence os obstáculos que nós como sujeitos individuais estamos preparados para ultrapassar.

No nosso caso, o amor ficou e nós partimos.



Boa viagem, meu muito amor.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

6

Oiço-te falar nas viagens que fizeste pelo mundo, nas suculentas passagens pelos mistérios do corpo humano. Nos beijos que te inundaram o território fértil que te nasce no meio das pernas, nos abraços violentos presenciados pelas cidades mais românticas. Falas no passado como, se a tua vida agora não fosse mais do que um viver de situações, umas atrás das outras e, nada mais para além desse crescente automatismo. Falas e ao falares, levas-me de viagem a um mundo desconhecido de cheiros, imagens, palavras.

É de madrugada que acordo e percebo. Pela maneira como o teu corpo assenta quando dormes a meu lado. Como o teu respirar é tranquilo. Como mesmo inconsciente o teu rosto permanece sorridente, feliz.

É aí que percebo que depois de um passado em viagens inesquecíveis, é no meu coração que está a tua terra.



A tua casa.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

5

Ias de encontro a alguma coisa naquela manhã. Raramente sairias de casa tão cedo. Não era usual e tudo o que não era usual em ti era motivo para engrandecer o sentimento, fosse qual fosse, que eu nutria por ti. Passado horas voltarias com um saco na mão e sorriso preso nas covinhas da tua face. Estavas eléctrica com uma energia tão pouco habitual aquela hora do dia. Abriste o saco e de lá saiu a tua surpresa. Durante a noite, ouviste-me dizer que me apetecia croissants. Tiveste medo de te esqueceres e escreveste num papel que deixaste na mesa-de-cabeceira, puseste o despertador para acordares e satisfazeres o meu aparente desejo.

Não me lembro de me estar apetecer aquela gulosice, é um facto. Mas a tua postura enterneceu-me ao máximo. Não te sei dizer o que sinto, não sei que pormenores envolvem esta forma de sentir, que cores lhe caracterizam, quais os sabores que lhe estão inerentes mas, sei de forma extremamente nítida que o teu gesto acordou muita coisa boa em mim. O teu gesto fez-me querer, durante o resto desse dia não sair mais, dos teus braços.



















- Sai uns croissants fresquinhos para a mesa 5 para salvar o Amor!
- O amor?
- Sim, não vês pela cara das meninas que elas precisam de ajuda?
- Para quê?
- Para salvar o Amor!!!

sexta-feira, 6 de julho de 2007

4

A cidade parece escura, um escuro maduro como o vinho tinto. As pessoas passeavam encolhidas, as vozes soavam mal e o barulho dos carros entupia a solidez dos meus pensamentos. Chegaste com os olhos gastos de imagens e as palavras que dizias não faziam sentido. Olhava-te sem o apelo carnal usual nos nossos encontros, olhei-te com uma ternura que julgava esquecida. Não te compreendia, não me apetecia compreender-te. Um abraço em silêncio. Um beijo no cheiro da tua pele.

A cidade permaneceu escura e deixei de te ver. Abandonei-te à razia.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

3

A escuridão desaparecera do quarto fazia já algumas horas, havia um qualquer brilho vindo da janela que pousava na pele branca. Rebolava pela cama com espaço para mais um corpo mas aquela hora permanecia apenas um. Ela gostava de viver nas noites, não que fizesse nada de se aproveitar. Embebedava-se, fumava charros, fingia um mau estar qualquer para ser o centro das atenções e nessas alturas já poucos a conseguiam resistir.

Chegava de mansinho a casa já de manhã com um saco de pão fresco. Esperava-lha a mulher, a namorada, a que lhe patrocinava as saídas nocturnas e as compras nas ruas do bairro alto. Tinham uma relação de pura dependência. A noctívaga era dependente do dinheiro, do perdão ás suas constantes facadinhas, ao abraço maternal que recebia ao chegar a casa. A mais velha era dependente do sexo, da choradeira exagerada à qual se seguiam sem falhar – Amo-te – Não consigo viver sem ti – Sou tua - Perdoa-me. O amor que ambas diziam sentir baseava-se nas dependências e na partilha pela arte. E assim iam sobrevivendo ano após ano.

Numa certa madrugada chegou a casa mais cedo, a mais velha ainda dormia e não havia pão fresco. Havia um horror sem nome que lhe consumia o peito. Empolgou-se pela cama, fez desaparecer lençóis e mergulhou no sexo do corpo esbatido pelo colchão. Ouviu-se um som de susto a sair da boca da mulher, tentou levantar a cabeça onde se encontrava a língua violadora, sem qualquer êxito, depois de um segundo de negação, deixou-se ficar para trás. Ouviam-se pequenos gemidos, levava muitas vezes as mãos à cara, o corpo, por vezes, estremecia, e a língua não parava. Penso na imagem de uma escavadora, é a mais fiel imagem que poderia dar. O corpo deitado parou de transpirar no momento em que se contorceu todo. E aí, depois do orgasmo fingido ou sentido, duas bocas puderam beijar-se na crença que ainda seria possível dar um toque de romantismo ao que tinha acabado de acontecer. Não falaram, a mulher voltou-se para adormecer novamente agora com um novo odor no quarto. A dona da língua foi para a sala com um ar de satisfação, parecia-lhe agora que o peito estava liberto e poderia novamente respirar. Enrolou um charro, e sentou-me na escuridão pontiaguda da varanda. Depois algo aconteceu: derramou num choro compulsivo, atirou metade do charro fora e saiu de casa. Bateu com a porta como se quisesse que todos no prédio ouvissem.

Na caixa de correio deixou um bilhete onde se podia ler:

Pensava que o peso que me tomava a respiração era necessidade de ti, era o Amor a querer ir de encontro a nós. Enganei-me. O peso era o sinal que não consigo mais. Preciso de voar para longe. Talvez acredites que te ame, talvez não queiras acreditar. Talvez não tenhamos sido nada, talvez tenhamos sido tudo. Adeus.